Livre, grátis ou aberto?

A palavra livre traz consigo vários significados, como gratuidade e liberdade. Grátis significa algo pelo qual não se paga diretamente, como quando se recebe um produto pelo qual não se desembolsa dinheiro. Liberdade remete à redução ou inexistência de restrições – livre, no sentido de liberdade de imprensa. O software livre está associado ao conceito de liberdade e, muitas vezes, é também gratuito.

A palavra aberto tem se tornado cada vez mais comum, como nos termos “educação aberta”, “dados abertos” e “acesso aberto”. Os Recursos Educacionais Abertos (REA) são recursos e obras (livros, cursos, vídeos, textos, imagens, jogos etc.), impressos ou digitais, que, de acordo com a definição da UNESCO, podem ser acessados de forma gratuita por qualquer um, podendo ser livremente compartilhados.

Foto de professor Nelson Pretto da UFBA

É fundamental do ponto de vista da formação dessa juventude, que a gente trabalhe com todas essas soluções...livres e abertas e que serão, por consequência, criativas.

Prof. Nelson Pretto

Professor Titular (e ativista) da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia.

Qualidade

Hoje, é muito difícil encontrar uma empresa de software que não crie ou incorpore software livre em suas produções. Isso vale para gigantes internacionais como Google, Facebook e Microsoft, bem como para empresas menores, organizações da sociedade civil, prestadores de serviço independentes e instituições públicas. Para gestores da área de tecnologia, o uso de software livre é imprescindível. Um bom exemplo de quão robusto pode ser um software livre é muito recente: o Falcon 9, foguete utilizado pela SpaceX em sua recente missão espacial, roda Linux – um software livre!


Da mesma forma, inúmeros repositórios e sites de qualidade são abertos. O portal de recursos educacionais do Ministério da Educação (MEC-RED) e o portal de recursos educacionais da CAPES (EduCAPES), por exemplo, são feitos em software livre (DSpace), tendo sido criados com a lógica dos REA. Parte dos recursos criados por editoras para o Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), um dos maiores programas de distribuição de livros didáticos do mundo, também são REA. Como já apontado pela UNESCO, REA são parte de uma perspectiva de desenvolvimento sustentável. Não por menos, REA fazem parte integral da Estratégia Brasileira para a Transformação Digital publicada pelo Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações em 2018.


Para usuários, como educadores e alunos, ainda há um estigma de que qualquer coisa livre venha a ser um produto de menor qualidade – algo que se usa quando não há alternativa comercial. Essa percepção está equivocada (leia mais). Em muitos mercados e áreas de atuação, o software livre é o padrão e o melhor software disponível. E em quase todos os outros casos, existem alternativas livres de alta e comparável qualidade para quase qualquer software que você está acostumado a utilizar regularmente.

Liberdade

Com o software livre, você pode baixar e executar um programa, ter acesso ao código do programa para estudar como ele funciona, modificá-lo para seus propósitos e distribuir cópias do software para quem quiser (veja mais sobre a filosofia do software livre). Ou seja, você pode baixar o software e rodá-lo em seu computador, além de modificá-lo para seus propósitos. Boa parte do software livre também é gratuito – você não precisa de permissões, licenças ou autorizações para baixar, instalar e utilizar como bem entender. Recursos Educacionais Abertos (REA) são gratuitos e dão uma série de permissões de uso e reuso que não estão disponíveis com recursos comuns.

Mas existe software livre que não é gratuito, pelo qual você paga para ter acesso ou para obter suporte, apoio e atualizações. São mecanismos de remuneração para a produção de software e sistemas de alto nível. Mesmo sendo pagos, uma vez que se tenha o acesso ao software, você tem total liberdade de visualizar o seu código e o funcionamento, de alterar, copiar e compartilhar o software (existem diversas perspectivas sobre o software livre).

Com essa lógica, é fácil ver que o software livre é mais do que um produto ou serviço que você simplesmente compra. Ele é baseado no princípio da transparência, da melhoria contínua, do trabalho colaborativo e cooperativo.

O vídeo acima ajuda a entender a razão de o código aberto ser importantíssimo para o desenvolvimento de software. Confira!

Sem romantismo, mas com investimento econômico e cultural, é possível fomentar e manter um ecossistema sustentável e inovador de produção tecnológica com software livre...

Profa. Karina Menezes

Pedagoga. Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia. Doutora em Educação. Vencedora do Prêmio Capes de Tese 2019 na área Educação. Integrante do Raul Hacker Club de Salvador Bahia, Idealizadora do Crianças Hackers.

Direitos e privacidade

É difícil realizar qualquer tarefa sem que dados criados por nós, ou dados que resultam de nossas ações, circulem por grandes empresas responsáveis por oferecer serviços gratuitos na forma de espaços para colaboração, produção e compartilhamento de conteúdos. Aos poucos, através do projeto Educação Vigiada, estamos aprendendo sobre as relações entre redes de ensino e instituições com essas empresas.

Sabemos pouco sobre como as plataformas efetivamente funcionam pois o código, ou software, não é aberto. Mas, conhecemos muito bem o modelo de negócios. Muitas delas se beneficiam da introdução de seus serviços para alunos criando uma “fidelização”. As pessoas se acostumam a utilizar e acabam utilizando por toda a vida.

Outra grande preocupação é que diversos desses serviços se utilizam de uma quantidade enorme de dados que produzimos (planos de aula, fotos, tarefas, vídeos, texto, etc.), ou dados gerados através do nosso comportamento online (o que visualizamos, com quem falamos, onde estamos, etc.) para criar perfis, nos enviar propaganda e vender nossos dados. Nem sempre (ou quase nunca!) lemos os termos de uso das plataformas que utilizamos.

Mesmo tratando dos dados de forma agregada, os algoritmos das plataformas nos retornam informações, selecionando e promovendo conteúdos, indicando vídeos, fotos, notícias e contatos. Esses mecanismos podem, como ficou evidente em eleições ao redor do mundo, fortalecer visões de mundo, radicalismos e preconceitos – isto é, criar bolhas. A preocupação com esse tema se tornou um imperativo para instituições e redes de ensino com a Lei Geral de Proteção de Dados, como explica Priscila Gonsales do Instituto Educadigital e da Iniciativa Educação Aberta.

A utilização de software livre e projetos em REA estão associados a um olhar mais cuidadoso para esse problema. Não há uma garantia de que um serviço de software livre não fará uso de dados dos internautas como forma de remuneração, por exemplo, mas essa informação será muito mais transparente. Ademais, a possibilidade de instalação do serviço em uma máquina da sua instituição (ou no seu computador) faz com que você tenha um controle muito maior do que acontece com o serviço.

Por último, o código é aberto, o que possibilita que qualquer um poderá analisá-lo e procurar por problemas ou potenciais violações de direitos. Mesmo que você não saiba programar ou ler o código, dezenas de outras pessoas que participam dos projetos têm acesso a ele. Assim, a chance de acontecerem violações aos seus direitos é proporcionalmente menor, uma vez considerado o número de entidades e pessoas independentes que podem visualizar o código do software.

Os professores da UFPA Leonardo Cruz e Filipe Saraiva, do projeto Educação Vigiada, foram entrevistados no Tecnopolitica sobre esse problema. Confira!

A gente é viciado desde pequeno a utilizar software proprietário... A gente tem que sair desse vício... Na educação a gente tem muito mais a ver com software livre do que com o software proprietário.

Prof. André Luis Bordignon

É professor do Instituto Federal de São Paulo, na área de computação. Um dos fundadores da organização Minha Campinas.

Autonomia

Os sistemas e portais que apresentamos no Escolha Livre estão disponíveis na internet para uso através de aplicativos ou do seu navegador. O uso gratuito desses sistemas pode resolver as demandas de professores, alunos e de instituições de maneira rápida e fácil. No entanto, caso você, gestor, queira maior controle, customização, garantia de funcionamento e qualidade de serviço, você pode optar por dois outros modelos:

Você pode baixar, customizar e instalar o sistema para uso de sua instituição. O software livre dá essa permissão! Você pode, por exemplo, criar um sistema de videoconferência em sua instituição ou para sua organização. Alguns são instalados com relativa facilidade. Outros são mais complexos e podem demandar a atuação de uma equipe de tecnologia da informação em sua rede ou instituição. Você pode pagar somente pela configuração e instalação do serviço na sua instituição ou, adicionalmente, contratar suporte técnico externo. Há ampla documentação e fóruns de discussão na internet para lhe apoiar nesse processo.

Os REA criados por professores, ou aqueles baixados da internet, podem ser disponibilizados no site da sua instituição, por exemplo, fazendo uma curadoria própria de conteúdos para escola. No depoimento abaixo da Profa. Gislaine Munhoz, você pode saber mais sobre a perspectiva da gestão na implementação de um projeto de robótica educativa com software livre.

Você pode contratar o serviço. Muitos prestadores de serviço oferecem o uso de um plataforma construída com software livre (como, por exemplo, repositório, videoconferência ou ambiente virtual de aprendizagem) através de um serviço pago, como uma assinatura mensal (calculada por número de usuários, salas, ou outros critérios). Muitas vezes são os próprios desenvolvedores do software que oferecem o serviço. Há aqui uma garantia de qualidade, disponibilidade de suporte técnico e possibilidade de uso imediato. Existem também provedores de recursos educacionais abertos que permitem o uso livre e gratuito dos recursos, mas que oferecem curadoria, mentoria, apoio, plataformas de avaliação, dentre outros serviços que podem ser muito úteis.

Esses serviços podem ser contratados de diversas formas. Muitas vezes o próprio desenvolvedor, em seu site, oferece o serviço. Em outros casos, parceiros ou provedores são listados. Para tanto, se beneficie do Mapa de Serviços Abertos, que ajudará você a encontrar empresas, cooperativas e prestadores que atendem em sua região.

Um dos motivos pelos quais as redes não davam continuidade a projetos de robótica... era porque não havia verba para renovação de licenças proprietárias...

Profa. Gislaine Batista Munhoz

Coordenadora Pedagógica da Rede Municipal de Ensino de São Paulo, Mestre em Educação (FEUSP). Fellow de Aprendizagem Criativa.

Aprendizagem

As liberdades permitidas pelo software livre fazem com que ele tenha um enorme potencial educativo. Primeiro, com o software livre, alunos e professores podem ter acesso ao recurso sem dificuldades ou limitações para instalar o software onde e quantas vezes quiserem. Reduzimos a barreira de acesso. Segundo, como o código está sempre disponível, abrem-se possibilidades “mão na massa” – isto é, de estudar o código, de alterar, remixar e reutilizar. Torna-se muito mais fácil e instigante trabalhar a programação, por exemplo, em atividades de desenvolvimento web, de robótica, dentre outras. Essas possibilidades, encorajadas pelo software livre, permitem um olhar crítico, curioso e participativo, colaborativo e autoral com relação às tecnologias.

A Competência Geral 5, da Base Nacional Comum Curricular, aponta para a relevância dessa possibilidade aberta pelo software livre, ao indicar que alunos devem:

Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.

Mais especificamente, a Competência Específica 7 de Linguagens e Tecnologias aponta que alunos devem:

Mobilizar práticas de linguagem no universo digital, considerando as dimensões técnicas, críticas, criativas, éticas e estéticas, para expandir as formas de produzir sentidos, de engajar-se em práticas autorais e coletivas, e de aprender a aprender nos campos da ciência, cultura, trabalho, informação e vida pessoal e coletiva.

É muito comum encontrar um ótimo um recurso que, às vezes, precisa de ajustes para ser utilizado com mais eficácia; um software ou recurso que precisa ser traduzido, que necessita de uma pequena alteração no funcionamento, em uma imagem ou outra funcionalidade. Com o software livre, o código aberto e os REA, isso se torna possível!